Quando eu tinha uns doze anos, vivia com muito medo de fantasmas. O medo era algo quase inexistente durante o dia, mas quando caía a noite, a tarefa de adormecer tornava-se muito difícil, face ao medo que sentia ao estar sozinha. Virava-me para o lado da porta e ficava de olhos postos nela, como que à espera que algo sobrenatural fosse bater à porta ou simplesmente surgir. Nada disto faz muito sentido, uma vez que falamos de fantasmas, estes podiam aparecer em qualquer lado… mas por algum motivo adormecer de costas para a porta, é algo que até hoje, é um pouco difícil. Não me lembro exatamente quando deixei de ter medo de estar sozinha, mas felizmente essa paz chegou. Viver com o medo é extremamente cansativo, para além de que é também algo que nos isola. Eu nunca falei honestamente disto a ninguém. Talvez o meu medo em falar, fosse exatamente porque sempre que ouvia algo sobre o assunto, o meu medo só se munia de mais imagens e palavras que o tornavam ainda maior. Hoje, creio que este medo algo irracional, vinha de uma coisa que me assusta muito ainda hoje: o silêncio.
Estar só comigo, em silêncio, é desafiante. Sinto uma grande tristeza, que normalmente não se faz sentir, desde que esteja acompanhada de alguma maneira. O meu medo de adormecer sozinha estava muito ligado a um sentimento de insegurança, claro. O desconforto que sinto no silêncio, é o mesmo que me torna consciente de tudo o que me assusta… e eu com grande mestria, tento distrair-me para não o sentir.
O meu truque para conseguir adormecer foi, durante muito tempo, ouvir rádio. Ficava ligado a noite toda, ainda que baixinho. Como uma presença que me ancorava ao mundo lá fora e me impedia de me deixar levar pela negritude assustadora em mim. Ontem, também foi assim. Estava muito triste, desanimada… num estado de vulnerabilidade enorme e com a sensação de que a vida é demasiado bruta. Como se tivesse voltado atrás vinte anos, a estratégia foi a mesma. Desta vez reconheci os fantasmas dentro de mim. Não os atribuí a uma qualquer entidade paranormal. De alguma forma, estes que são meus, conseguem ser ainda mais assustadores.
A evasão ao que mais me assusta, é completa ao sintonizar-me com o outro. Mudar o foco da minha atenção, para o que me é externo. Ligar-me a algo, em tudo desconexo do que me amedronta. Ao longo de todo este tempo, andei a fugir de mim. Vivi bem e aparentemente sem medo... mas esta coisa de fugirmos de nós próprios, obviamente só pode dar merda. Aos poucos, parece que fui calando muita coisa, em nome da minha segurança e paz.
Há pouco tempo, num vídeo do instagram, chegou-me esta ideia, e logo ressoou em mim: paz e liberdade não andam de mãos dadas. A paz, que tanto desejamos, é muitas vezes uma mordaça. Em nome da paz, trocamos a nossa liberdade pela aparente tranquilidade. A pergunta que mais me bateu foi: quem está a beneficiar desta paz? Será que eu, tantas vezes obedientemente calada, estou a ganhar com essa paz? Não. Quem mais ganha com a minha natureza dócil, é quase sempre o que me oprime. No silêncio, que tanto me assusta, espero finalmente parar de correr na direcção oposta. Quero ir ao encontro do que me amedronta e perceber finalmente, como viver livre e sem medo.
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